O
estudo 'Às Custas dos Pobres' pesquisou a conduta de três
multinacionais da indústria farmacêutica no Brasil. A pesquisa foi feita
às expensas da OnG alemã Bundeskoordination Internationalismus (Buko).
Entre
janeiro de 2011 e junho de 2012 foram avaliadas a oferta de
medicamentos, a política de preços e as estratégias de marketing dos
três grupos. Apesar de alguns pontos positivos, como o fato de muitos
medicamentos importantes produzidos pelas multinacionais serem
comercializados no Brasil, as críticas se sobressaem: preços muito altos
impedem o acesso a medicamentos importantes, remédios proibidos em
outros países são vendidos no Brasil, algumas campanhas publicitárias
são enganosas e combinações de substâncias oferecem riscos à saúde.
'O
objetivo era identificar problemas nas estratégias dessas empresas e
tentar mudar algumas de suas condutas', fala o pesquisador Rogério
Hoefler, do Conselho Federal de Farmácia, que cooperou com o projeto da
ONG alemã. 'Para produtos que as empresas não podem comercializar na
Alemanha, elas procuram um outro mercado e utilizam a fragilidade desses
países na questão sanitária', completa o pesquisador. E o Brasil é um
desses destinos.
Na
avaliação de Hoefler, a ANVISA (Agência Nacional de Vigilância
Sanitária) – que existe há pouco mais de dez anos – ainda encontra-se em
seus primórdios em termos de atuação. Segundo o pesquisador, as
empresas tiram proveito dessa situação. 'Mesmo sabendo que o produto não
seria adequado e seguro para ser comercializado, elas vão vendendo
enquanto o governo permite', afirma.
Buscopan Composto
Essa
declaração vale, por exemplo, para a Boehringer Ingelheim. O Buscopan
Composto, por exemplo, é severamente criticado por conter a substância
ativa metamizol, que pode desencadear diversas reações adversas no
corpo, além de provocar uma redução drástica de glóbulos brancos,
importantes para o sistema imunológico.
A
substância é proibida nos EUA, no Reino Unido, na Austrália, no Canadá e
na Suécia. Na Alemanha, os medicamentos que contêm metamizol foram
retirados do mercado em 1990 e o uso da substância é limitado a
determinados casos.
A
pesquisa afirma que a Boehringer Ingelheim continua oferecendo o
medicamento nas farmácias brasileiras por interesses econômicos: o
Buscopan Composto é o medicamento mais vendido no país, tendo sido
responsável por 11% do faturamento da Boehringer Ingelheim no Brasil em
2011.
Preços elevados e publicidade enganosa
Bayer: preços altos e propaganda enganosa
Já
a Bayer HealthCare, sediada em Leverkusen, no oeste alemão, é criticada
por suas peças publicitárias e seus altos preços. O medicamento
Nexavar, muito importante no tratamento do câncer de fígado, custa no
Brasil por mês para cada paciente um total de 2.934 euros
(aproximadamente 7.300 reais) – um preço salgado até para a classe mais
abastada, ressalta a pesquisa.
Além
disso, certas 'misturas absurdas de vitaminas' também foram criticadas.
O complexo Supradyn Pré-Natal reúne 25 substâncias. Segundo
especialistas, isso é problemático, uma vez que a reação do corpo à
ingestão concomitante de tantos princípios ativos é imprevisível.
Além
disso, as peças publicitárias do medicamento são questionáveis: num
spot para a TV, mãe e filho tomam juntos um comprimido do composto
vitamínico, enquanto degustam uma comida fast food, insinuando ao
espectador uma alimentação que fornece energia ao corpo.
Sem colaboração
A
norte-americana Baxter foi a que melhor se saiu nos resultados da
pesquisa – mas é, também, a menos presente no mercado brasileiro entre
as três empresas pesquisadas. Em 2011, a multinacional comercializou 53
produtos no país, ao passo que a Boehringer Ingelheim esteve presente
com 104 medicamentos e a Bayer, com 167.
Uma
das críticas à Baxter é, contudo, a política de preços. As parcelas
mais pobres da população, bem como os hospitais públicos, acabam não
tendo acesso aos remédios do fabricante. Além disso, a empresa não se
dispôs a colaborar com o estudo e se recusou a responder os
questionários enviados.
A
equipe de pesquisadores tentou entrar em contato com as três
multinacionais no Brasil, mas o retorno foi mínimo: apenas a Boehringer
Ingelheim respondeu. 'Essa falta de transparência é um aspecto muito
importante. Percebemos que quase não existe um compromisso com a
sociedade, nem uma transparência de informar o que fazem no Brasil',
aponta Hoefler.
Conclusões finais
O
estudo conclui que o livre acesso à saúde no Brasil esbarra
principalmente nos altos preços dos medicamentos, principalmente no que
diz respeito às chamadas 'doenças da civilização', como enfermidades
cardíacas e circulatórias, câncer ou diabetes, cujo tratamento depende
muitas vezes de medicamentos de preços elevado. Para mudar essa situação
são necessários investimentos enorme nos próximos anos, concluem os
pesquisadores.
A
pesquisa realizada no Brasil complementa projeto semelhante executado
na Índia, em 2010, no qual a conduta das mesmas empresas foi analisada. O
estudo será publicado no Brasil, em português, entre fevereiro e março
de 2013.
O
Brasil é o quarto maior mercado consumidor de medicamentos do mundo,
depois dos EUA, da Alemanha e da França. Desde 2005, o mercado
brasileiro cresce num ritmo acima dos 10%, em 2010 chegou até a 19% ao
ano. Além disso, o Brasil é o país com maior número de farmácias do
mundo – a Federação Brasileira das Redes Associativistas de Farmácias
registra mais de 60.000 drogarias em todo o território nacional.